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Apaixonado por mulher amputada.
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Parte 1 da série de 3 partes

Atualizada 06/10/2023
Criada 06/22/2021
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Este é um relato dramático, sem nenhuma cena de sexo.

Não está inspirado em nenhum caso real.

É totalmente um produto da imaginação do autor, escrito num momento de melancolia.

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"Olá dona Mariana. Como está?"

"Olá Carlos... Mal. Como queres que esteja?"

"Mas... Que aconteceu?"

Fiquei altamente preocupado. Sou muito amigo dela, uma amiga da minha falecida mãe... e não só.

É a mãe de Célia, uma colega que estudou no mesmo colégio que eu e por quem sempre estive apaixonadíssimo.

Mas nunca fui correspondido.

"Vejo que não sabes da desgraça que aconteceu à Célia."

"Por Deus dona Mariana! Que lhe aconteceu?"

"As duas pernas amputadas. Atirou-se à linha do Metro para salvar uma garota que caiu à linha. Conseguiu fazê-lo, mas já não teve tempo de escapar..."

Mariana chorava convulsivamente abraçada a mim.

"Pobre! Mas quando foi isso? Eu estive um mês fora por motivos de trabalho..."

"Há três semanas."

"E à parte disso, como está ela?"

"Animicamente está destroçada. Para complicar tudo, há seis meses tive que deixar de pagar o seguro médico. Quanto à segurança social... Já sabes."

"E como foram as amputações? A que altura?"

"Uns quinze centímetros acima dos tornozelos. Mais ou menos iguais."

"Já tem próteses?"

"Não. Sem seguro e com a segurança social que há..."

"Dona Mariana venha comigo à minha casa. Temos que conversar."

"Mas... Para quê?

"Faça o que lhe digo. Não quero falar aqui. E que tal se está a portar o Gustavo?"

Mariana acompanhou-me e foi-me contando coisas.

"Esse? Desinteressou-se dela. Foi vê-la ao hospital uma vez, não esteve nem dez minutos e não voltou a aparecer. Isso foi um duro golpe para ela. Duríssimo."

"Não lhe fiz a pergunta por acaso. Conheço-o bem. É o típico falabarato que sabe dar a volta às mulheres e tem bastante êxito com elas. Mas vale zero! A todos os níveis."

"Assim é filho."

"Pelo menos a Célia teve a sorte de ver a sua verdadeira cara, antes de que houvesse males maiores. E mais não digo."

"Que pena que ela não tenha ido contigo. Tu sim és um homem cabal!"

Não fiz nenhum comentário.

Entretanto chegamos a minha casa.

"Vou fazer-nos um café. Ou prefere outra coisa?"

"Um café está bem. Obrigada."

"Dona Mariana... É tempo de eu me abrir consigo. Mas necessito a sua palavra em como vai manter esta conversa em segredo. A Célia não pode saber nada. Se a senhora me falhar pode deitar tudo a perder e o que ambos queremos é que ela volte a ter uma vida normal."

"Comprometo-me sob palavra de honra. Eu nem te vi."

"É isso que eu queria ouvir."

"Qual é a tua ideia?"

"Ajudar! Mas ela não pode saber que eu estou por trás do que vamos fazer. Oficialmente eu nem sequer imagino a desgraça de que foi vítima. Nós perdemos o contacto, desapareci da circulação e nada sei de si, nem a senhora de mim."

"Mas Carlos... Porque esse secretismo?"

"Porque... Amo a Célia desde que a conheço. Confessei-lhe o meu amor, mas ela não sente nada por mim. Com ela não tenho nada que fazer e na situação atual, embora deseje vê-la, não me parece adequado. Estaria a aproveitar-me da sua situação."

"Não entendo. Então porque queres ajudá-la? E como pensas fazê-lo?"

"Amo-a tanto como quando lhe pedi que fôssemos namorados. Quero ajudá-la anonimamente. Quando amas uma pessoa, só queres o melhor para ela. Mesmo que não sejas correspondido. Quem me dera que o Gustavo fosse um indivíduo decente e ela fosse feliz com ele! A felicidade dela é a minha primeira prioridade, mesmo que não seja junto a mim."

"Que pessoa tão humana és Carlos."

"Pois se tanto me aprecia... Respeite o meu segredo. Não conte a ninguém que estou a ajudar-vos. A NINGUÉM! Não só à Célia."

"Já me comprometi a respeitar o sigilo."

"Vou falar esta noite com um amigo que nos vai orientar com as próteses. Célia terá as melhores próteses do mercado e dá-me igual quanto custem. Com o tipo de amputações que sofreu, creio que não vai ter que usar muletas, nem bengalas, já verá. Dentro da desgraça que é uma amputação, o caso dela é um dos mais favoráveis."

"Mas Carlos... São caríssimas!"

"O amor não se pode resumir a palavras ocas. Demonstra-se com atos. Não quero que ela saiba NUNCA que eu sou o seu benfeitor anónimo."

"Bem hajas Carlos. Não sei como agradecer-te!"

"Não se preocupe com isso dona Mariana. Ela já acabou o curso?"

"Deixou a universidade. A nossa situação finaceira é muito má, desde que o meu marido faleceu. Estava à procura de emprego quando teve o acidente."

"Bem... Já veremos esse assunto depois. A primeira prioridade são as próteses, a fisioterapia e o treino para ela andar sem ajudas. Isso tem um processo de aprendizagem."

"Mas tu tens dinheiro para isso?"

"Tenho. Nada tema. É dinheiro limpo. Herdado. E tenho um bom ordenado. Faço o que puder pela mulher que amo embora ela me despreze, mas também por si, uma das melhores amigas da minha mãe que sempre me tratou impecavelmente. Lembre-se de que nunca nos vimos e a senhora não sabe onde vivo, nem a minha situação económica. Como eu para ela nem sequer existo, nada se perde."

"E que lhe digo quando ela vir coisas que só são possíveis com bastante dinheiro?"

"Isso é um problema seu. Puxe pela imaginação. Diga que lhe emprestaram o dinheiro, invente o que quiser, mas sem que o meu nome apareça, nem de forma indireta."

"Ah sim... Serás reembolsado de tudo. O que não sei é quando."

"Nem pense. Deixe-me fazer o que puder pela mulher que amo. Faço-o desinteressadamente e não é um empréstimo. Veja-o como uma doação. Bem dona Mariana. Amanhã aqui à mesma hora? Tentarei ter já notícias para si."

Falei com o meu amigo Edmundo, um excelente fisioterapeuta que conhece este mundo e o outro, no que diz respeito à sua profissão.

Investigou logo no dia seguinte e combinamos que viria a minha casa ao fim da tarde, para falarmos com Mariana.

Feitas as apresentações, ele explicou-nos o que havia.

"Bem dona Mariana, o Carlos é um grande amigo e investiguei logo que ele falou comigo... Tenho que ver a Célia para ver como tem as pernas, mas se é como o Carlos me contou, ela quase nem vai coxear. E se usar calças, ninguém vai suspeitar que por baixo estão próteses. Mas tenho que a ver, na qualidade de fisioterpeuta."

"E quanto custa?"

"Isso não importa. Ed... Só me informas a mim ok?"

"Carlos... É a mãe da paciente. Não me parece correto."

"Bem... podes dizer-lhe."

"Aproximadamente dez mil dólares por prótese. Mínimo."

"Ai não! Não consinto. Nem ela vai querer."

"Dona Mariana... Quer ver a sua filha feliz?"

"Claro que quero, mas..."

Cortei-lhe a frase.

"EU TAMBÉM!"

"Dona Mariana, se quer que a sua filha tenha uma boa qualidade de vida, que nem lhe ocorra pôr-lhe esse lixo que lhe dá a segurança social. E sei do que estou a falar!"

"Mas não posso pagar nem um décimo desse dinheiro."

Aí intervim eu.

"Isso já eu sei. Compro-lhe eu as próteses com muito gosto."

"Dona Mariana aceite o oferecimento do Carlos. A sua filha vai poder fazer desporto e inclusivamente correr, se realmente estiver como me disse o Carlos. Quando a posso ver? Ah... Não me vai pagar nada."

"Por mim quando quiser."

"Que tal agora?"

"Claro que sim. Bem haja. Vou telefonar-lhe."

Telefonou a Célia e saíram os dois, mas antes fiz-lhes uma advertência.

"Oiçam os dois. O Ed é amigo de uma conhecida sua, eu não posso ser mencionado e não entrem em detalhes sobre as próteses, e menos sobre o preço."

Eu previamente falara com ele sobre a minha situação com Célia e sobre o necessário secretismo.

Uma hora mais tarde Edmundo informou-me da situação.

"Deves-me um jantar. Pode ser hoje?"

"Claro! Que tal é a situação dela?"

"A melhor possivel, dentro da situação."

"Vamos a Cascais comer uma mariscada. Vens aqui ou vou-te buscar?"

"Estou a chegar à tua casa."

Durante o caminho pôs-me ao corrente.

"Não me estranha que estejas louco por ela. É uma linda mulher!"

"Diz-me algo que eu não saiba."

"Já lhe tirei as medidas, vamos pedir orçamentos a duas empresas e tu depois decides. Ficou felicíssima com os videos que lhe mostrei de mulheres a fazer ginástica, a correr, a caminhar com calças sem se notar que tinham próteses e quase sem coxear, viu em detalhe a fabricação das próteses desde zero... Tinhas que a ter visto."

"Bem... logo que saibamos os preços e os prazos de entrega, pomos isso em marcha."

"Ela devia fazer fisioterapía já, para ir recuperando a massa muscular."

"Adiante. Pago o que for preciso."

"Eu fazia-te isso grátis, mas agora estou de agenda cheia. Mas arranjo-te uma colega de confiança e muito competente, que não é careira. Já falei com ela e pode. Se tu quiseres, claro."

"Claro que quero. Avança já com isso."

No dia seguinte Mariana voltou à minha casa.

"Ai filho! Que maravilhoso ser humano és. Ela está felicíssima e cheia de esperança! mas não pára de perguntar quanto custam as próteses, disse-lhe que aínda não se sabe, o Edmundo disse-lhe que a informava quando viesse o orçamento. Ela já percebeu que lhe estou a ocultar coisas. Bombardeia-me com perguntas."

"Como lhe disse, esse é um problema seu. Não quero que ela se sinta em dívida comigo e menos aínda, que pense que estou a querer comprá-la."

O tempo foi passando e sete meses depois encontrei-a na rua.

Estava com uns jeans que ocultavam as próteses.

Por órdem minha, os tubos de aço das próteses estavam cobertos com umas aplicações de silicone, que deixavam imaginar que dentro das calças estavam umas pernas muito bem torneadas.

Toda uma elegância.

"Olá Carlos. Quanto tempo!"

Deu-me dois beijos que não lhe devolvi.

"Olá Célia. Estive fora bastante tempo. Como tens passado?"

Cumprimentei-a com muita formalidade. Talvez exagerada, mas não pude evitá-lo.

"Como está o Gustavo?"

"Por favor... Não me fales de semelhante verme!"

"Bem Célia... Realmente esse título adapta-se-lhe como uma luva, mas não é nada novo. Sempre foi assim. Bem... Gostei de te ver. Tenho que ir..."

"Carlos... Tens muita pressa?"

"Porquê?"

"Podemos tomar um café?"

"Claro. Alguma preferência?"

"Pode ser ali mesmo em frente... Se te parecer bem."

Quando estávamos sentados e com os cafés sobre a mesa, Célia contou-me a sua desventura.

"Carlos... Agarra-te bem!"

"Agarrar-me? Quê? À mesa? Não me assustes. Que se passa?"

Eu parecia um ator profissional.

"Olha!"

Levantou as duas pernas das calças até quase aos joelhos.

"Mas Célia! Isso são...? Caramba! Próteses...?"

"Duas pernas amputadas. E estas próteses, que aínda não sei como a minha mãe pôde pagar, nem quanto custaram, são maravilhosas. Adaptei-me tão bem, que às vezes até me esqueço..."

"Célia, vi-te coxear um pouco, mas pensei que poderia ser alguma esfoladela num calcanhar, ou algo parecido. Se não me tivesses dito, nunca teria imaginado que debaixo dessas calças houvesse umas próteses. E andas perfeitamente com elas. Um acidente claro..."

Contou-me toda a história e como o Gustavo a tinha defraudado, que se tinha equivocado com ele, blablabla, mas nunca se referiu aos meus sentimentos.

"Bem Célia, lamento profundamente o que te aconteceu, mas vejo com alegria que estás a superar bem o problema. As próteses parecem-me muito boas. Que sejas muito feliz. Bem, tenho que ir. Gostei de te ver."

Levantei-me para saír.

Célia de repente levantou-se sem nenhuma dificuldade e abraçou-me.

"Não Célia! Desculpa-me, mas não quero despertar o gigante adormecido. Tal como disse Al Pacino no filme 'Perfume de Mulher', 'Não existem próteses para um espírito amputado'. Por favor não me procures. Adeus e sê feliz."

Virei costas e notei que chorava.

Partiu-me o coração, mas segui o meu caminho.

Essa tarde telefonou-me Mariana.

"Ai meu querido... Tenho que te ver hoje, senão rebento!"

"Está bem. Onde?"

"Posso ir à tua casa?"

"Claro! Hoje já não tenho nada mais que fazer."

Quando chegou, abraçou-me e cobriu-me de beijos.

"Venha. Acabo de fazer café. Sentemo-nos."

Servi os cafés.

"Vejo-a preocupada. Aconteceu alguma coisa? "

"A Célia está destroçada. Está arrependidíssima da forma como te tratou no passado... Tem imensa vontade de retomar o contacto contigo e tu disseste-lhe que não te procurasse. Se ela soubesse que tu foste o seu salvador e quem conseguiu que lhe dessem trabalho... Tudo o que tens feito por ela foi por amor. Dá-vos uma oportunidade aos dois."

"Não posso. Ela e eu temos gostos diferentes, objetivos diferentes... Não somos compatíveis."

"Carlos... Ela é outra Célia! Amadureceu e tem a cabeça no seu lugar. Só quer ter uma vida calma com um homem que seja sério, que a ame, a quem ela possa dedicar a sua vida. Está vacinada contra Gustavos e gentalha do estilo. Bem... talvez não te interesse uma mulher amputada. Ao fim e ao cabo é o que ela é..."

"Depois de tudo o que vivemos juntos... Como é que a senhora pode pensar algo assim de mim? Quem me dera poder sentar-me com ela na cama e ajudá-la a tirar as próteses para dormir e abraçar o que lhe resta das pernas. E acariciá-las. E pôr-lhes loção hidratante para as suavizar. E beijar as suas cicatrizes... Estaria encantado! Tanto como se ela estivesse intacta. Ou talvez mais. Porque é na sua situação atual que ela mais necessita sentir-se querida. Se eu tivesse estado na pele do Gustavo, não lhe teria deixado nem o sol nem a sombra e teria passado o tempo a cobri-la de beijos. E a reiterar-lhe o meu amor três mil vezes por dia!"

"Falas dela com tanto carinho..."

"Sim. Desgraçadamente. Já desisti de tentar libertar-me... É um sentimento que está cravado a fogo no meu espírito. Mas uma relação entre nós não funcionaria. E o último que quero é que ela se sinta em dívida comigo. Se viesse comigo, eu sempre teria dúvidas sobre as verdadeiras razões da sua decisão."

"Não há nenhuma possibilidade de que lhe dês uma oportunidade?"

"Já sei que sou uma contradição andante dona Mariana, mas não. Esse comboio partiu sem mim há vários anos. Quem seguiu nele foi o Gustavo. O companheiro de viagem que Célia escolheu. Acredite que lamento que lhe tenha corrido mal com ele e nem por sombras pense que tenho algum ânimo de vingança, mas como escreveu o grande poeta espanhol António Machado,

'caminhante, são as tuas pegadas o caminho e nada mais.

Caminhante não há caminho. Faz-se caminho ao andar.

Ao andar faz-se caminho e ao voltar a vista atrás, o que se vê é a senda, que não se volta a pisar.'

E dona Mariana... não continuo, para não começar a chorar."

Mariana chorava triste e emocionada.

"Que pena!"

"Sim dona Mariana. Que pena... Posso pedir-lhe um favor?"

"Claro filho! Tudo que quiseres."

"Acredita que sou seu amigo?"

"Claro que sim. Não é que acredite. Só me deste provas de que és um grande amigo."

"Pois o pedido que tenho que lhe fazer é que não me procure mais, exceto se necessitar algo de mim. Dinheiro, ou o que seja. Sempre estarei aqui para si, se me necessitar. Mas se isso não acontecer, a minha missão com vocês terá terminado. Se houver qualquer problema com as próteses, fale com o Edmundo. Ele fará periodicamente uma inspeção às mesmas e tem luz verde para resolver qualquer problema que haja, independentemente do que custe."

"Mil vezes obrigada filho. Estou desolada, mas respeitarei a tua decisão. E que será da tua vida?"

"Pois... Enquanto o destino quiser, seguirei deambulando pelo planeta azul... Fingindo que estou em paz."

Despedimo-nos e Mariana saiu lavada em lágrimas.

FIM

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