Abnegação Pt. 02

Informação da História
Célia está bem adaptada às próteses.
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Parte 2 da série de 3 partes

Atualizada 06/10/2023
Criada 06/22/2021
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ABNEGAÇÃO - O impensável aconteceu

By P. Lighthouse

Esta é a segunda parte do relato "ABNEGAÇÃO".

É muito recomendável ler antes a primeira parte, que inicialmente não estava pensada para ter continuação, mas terminou de uma forma um pouco abrupta e faz-lhe falta pelo menos uma segunda parte.

Tal como no anterior, também neste relato não há nenhuma cena de sexo.

É um romance de amor.

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Uma semana depois de ter pedido a Mariana que não voltasse a contactar-me estava cheio de remorsos.

Mas o destino proporcionou-me uma oportunidade para corrigir o que tinha feito.

Mais que uma oportunidade, eu diria uma chamada de atenção.

Recebi um telefonema de Ed.

"Olá Carlos. como vais?"

"Falando mal e depressa... uma merda! A saúde boa mas estou deprimido. Conta-me coisas. Algum problema com as próteses daquela senhora?"

"Daquela senhora! Caramba Carlos... Hmmmmmm...

Suspirou.

"Não. As próteses estão perfeitas. Estive a inspecioná-las ontem. E ela já quase nem coxeia. Adaptou-se perfeitamente."

"É isso que me querias contar?"

"Não Carlos... Não quero meter-me na tua vida, mas tratei deste assunto contigo como amigo e não como cliente... Por isso não posso evitar ter uma conversa contigo por algo que está a preocupar-me. Mais que a preocupar-me, a entristecer-me e não é nada que tenha que ver com aquela senhora, como lhe chamas tu. Podemos jantar juntos esta noite? Mas convido eu."

"Claro que sim Ed."

"Que tal na minha casa? Já verás o bem que cozinho. Gostas de bacalhau à Brás?"

"Muito. A que horas?"

"Podes vir às oito? Gosto de conversar enquanto cozinho..."

"Posso. E levo um bom vinho tinto, ou preferes um verde branco geladinho? E um bolo de chocolate com nozes, que é de um tesouro da pastelaria aqui ao lado."

"Perfeito. Importas-te que a minha noiva esteja presente? Gostava de apresentar-vos. É uma doçura!"

"Homem! Desconhecia que eras mais uma vítima de Cupido. Claro que será um prazer conhecê-la. Lá estrei às oito."

"Nesse caso talvez seja melhor um verde branco, que ela gosta muito e vai bem com o prato."

"Verde branco será!"

Às dezanove e cinquenta e cinco toquei à porta e ouvi os típicos ruidos do porteiro automático.

"Carlos."

"Sobe."

Respondeu-me uma voz feminina muito agradável.

"Para a feliz noiva do melhor homem que existe no planeta."

Disse eu entregando-lhe um bonito ramo de rosas, com um sorriso de orelha a orelha.

"Ohhhh! Lindas. Muito obrigada Carlos, mas... Nem sei que dizer! Muito gosto! Sou a Sofia. Sófi para ti."

Sófi deu-me dois beijos e afastou-se com o ramo de rosas, que colocou numa jarra.

Notei que coxeava um pouco.

"Venha lá esse abraço, com os meus parabéns pelo encanto de noiva que tens."

Ed e eu abraçámo-nos.

"Ela está a temperar a salada e o bacalhau está já na fase final. Vamos já, antes de que eu o deixe demasiado passado."

"Ponham o bolo no frigorífico. Posso ir abrindo o vinho, para o deixar respirar um pouco antes de servir?"

"Estás na tua casa. O sacarrolhas está nequela gaveta. Abre-o tu que eu sou um destroça rolhas."

"Hehe! É mesmo!"

Confirmou Sófi com ar de gozo...

"Ponho um pouco de música ambiente baixinho?"

"Sim querida. A que quiseres. Ou tu tens alguma preferência Carlos?"

"Confio no bom gosto de Sófi."

Finalmente sentámo-nos à mesa.

Durante uns dez minutos, contaram-me como se tinham conhecido, que Sófi tinha uma prótese na perna direita, amputada logo acima do joelho, depois de um atropelamento e fuga que tinha sofrido um ano e meio antes e que se tinham apaixonado paciente e fisioterapeuta.

"Que maravilha! Não há nada que o amor não possa curar. Bem... Desgraçadamente não falo por experiência própria."

Comentei.

"Vocês são excelentes cozinheiros. Tanto esta magnífica salada como o bacalhau estão deliciosos."

"E tu Carlos, hoje deste cabo do orçamento. Um ramo de rosas que é um luxo! Vinho Palacio da Brejoeira que é caríssimo e um bolo que tem pinta de ser uma maravilha!"

Comentou Sófi feliz e sorridente.

"Bahhh... A ocasião merece!"

"Bem Carlos... Vamos ao que me levou a telefonar-te. Estive em casa da dona Mariana. Ela está desolada. Conhece-te desde miúdo, adora-te e está-te imensamente grata pelo que fizeste pela filha. E de repente sem um motivo, pelo menos aparente, dizes-lhe que não queres voltar a vê-la, exceto se ela te necessitar. É um encanto de senhora. A menos que tenhas algum motivo forte que eu desconheça, não achas que devias retificar?"

"Acho e é o que vou fazer. Não tenho nenhum motivo... Exceto o facto de ela me me fazer recordar a filha, mesmo que não me fale dela. Ando cheio de remorsos por isso. Ela não tem que pagar pelos atos de terceiros, mesmo que se trate da filha. Telefono-lhe amanhã."

"Isso é de um homem como deve ser! Todos nos portamos mal algumas vezes. Mas só alguns, muito poucos, somos capazes de pedir desculpa. Só os grandes homens e as grandes mulheres. Acabo de te conhecer e só me dás motivos para ser tua amiga. Conheço a dona Mariana e adoro-a. Bem hajas por essa decisão!"

"Bem. Vou servir o bolo. Depois bebemos o café confortavelmente sentados nos nossos magníficos sofás."

Disse Ed.

Já sentados e saboreando um delicioso café colombiano, Sófi falou comigo.

"Também eu quero falar contigo Carlos. Sei tudo o que tu queres manter em segredo e respeito essa tua decisão, tal como o Ed."

"Perdoa-me Carlos, mas não tenho segredos com a minha mulher. Sim... A minha querida mulher, apesar de aínda não estarmos oficialmente casados. Mas ela é um poço sem fundo e sem eco. Ela e tu são as pessoas mais íntegras que conheço! O teu segredo está a salvo."

Disse Ed.

"Que maravilha deve ser um amor assim, onde a confiança é total. Acho bem que lhe tenhas contado."

"Bem Carlos, quando o Ed começou a tratar do assunto da Célia, eu quis conhecê-la e ela estava muito deprimida. Ajudei-a a encarar as próteses como de uma forma positiva e acho que contribuí bastante para lhe levantar o ânimo. Ela obviamente desconhece na totalidade qual foi o teu papel em todo o processo. Hoje somos grandes amigas e doi-me muito não poder contar-lhe a verdade. Juro-te por tudo quanto há de mais sagrado e dou-te a minha palavra de honra que nunca lhe contei nada, nem nunca lhe falei de ti."

"Acredito totalmente em ti Sofi. Continua por favor."

"Carlos... Nunca conheci a Célia na sua juventude, mas ela contou-me a sua versão dos factos. Como não imagina que eu sei da tua existência, abriu-se e eu acredito na sua versão, sobretudo porque ela assume totalmente as suas culpas. E estou a contar-te isto porque ela não me pediu segredo. Segundo as suas próprias palavras, ela era uma adolescente frívola, superficial, irresponsável e idiota. E embora não fossem formalmente namorados, tinha uma relação de algo mais que amizade com um tal Carlos... Um bom rapaz, um pouco reservado, muito inteligente e bom estudante. Mas havia outro rapaz que impressionava todas as moças do colégio, porque era divertido, ousado, indisciplinado, uma dor de cabeça para o professorado e um sem vergonha com piada, mas nessa época, era suficientemente comedido para ser tolerado... Enfim uma espécie de miragem que tinha um imã para quase todas as garotas do instituto... e ela deixou-se levar. O tal Carlos, esse sim era um rapaz que valia a pena, mas a sua estupidez levou-a a recusá-lo como namorado. E depois arrependeu-se mil vezes! Foi atrás do que luzia, mas não era ouro. Nem sequer latão! Gustavo, o tal sem vergonha, foi o seu primeiro homem e até hoje o único. Ao fim de algum tempo engravidou-a e obrigou-a a abortar. Não lhe apontou nenhuma pistola, mas tinha-a completamente anulada. Era dominador, manipulador e ela não se atreveu a contrariá-lo. Agora conhecia a sua face oculta e estava aterrada. Chegou a dizer-me, lavada em lágrimas, 'bendito acidente que me livrou dele de uma vez!' Não sei se sabes que depois de estar amputada, ele não voltou a querer saber nada dela."

"Sim... Contou-me a dona Mariana. Já sabia que era um biltre, mas o que acabas de contar-me passa todos os limites do imaginável. Mas continua."

"A Célia de hoje nada tem que ver com a Célia que conheceste. Sabia o risco que corria quando se atirou à linha do metro, conseguiu salvar a garota e o preço que pagou foi o que sabemos."

"Sim... A Célia que conheci jamais teria feito algo assim. É uma heroína!"

"Sei do vosso encontro. Ela crê que tu imaginas que forçou o encontro, mas não. Foi meramente acidental. Uma coincidência. Contou-me que no momento em que te abraçou..."

Caíram-lhe algumas lágrimas que limpou e depois continuou.

"... Pois no momento em que te abraçou, sentiu um enorme carinho por ti e um terrível desgosto, por não te ter aceite anos antes. Fortíssimo! Desejou voltar para ti, mas tu não lhe deste a mais mínima oportunidade de se aproximar. Rechassaste-a com ódio. Ficou desolada! 'Ele tem razão. Só mereço desalmados como o Gustavo!' Disse-me destroçada. E Carlos, aínda bem que ela desconhece o que fizeste por ela. Porque se o soubesse...Não quero nem pensar o desesperada que estaria agora!"

"Não a rechassei com ódio. Por ela sinto tudo menos ódio! Mas não sou o correspondente humano a uma roda sobressalente."

"Carlos. Ela nada saberá desta conversa. Gostaria de saber o que sentes tu por ela AGORA! Mas sem filtros nem disfarces."

"Serei totalmente sincero Sófi. Tento varrê-la da minha cabeça, mas está-me gravada a fogo na alma! Às vezes apetece-me morrer para destuir de uma vez esse maldito sentimento e entrar no negro vazio da eternidade. O alívio definitivo! Não pode ser tão mau como o que sofro aqui na Terra. Sonho com ela acordado, a dormir... Só consigo abstraír-me dela quando estou a trabalhar. Rechassei-a de uma maneira brutal, porque se não o fizesse, tería caído rendido aos seus pés, abraçaria e beijaria o que lhe resta das pernas e se necessário fosse, daria a minha vida por ela."

"Mas Carlos... Vai visitá-la e dá-vos uma oportunidade. Ela aceitaria encantada!"

"Não. Ela talvez viesse comigo por eu ser um mal menor. Pouco, quase sempre é melhor que nada. Não viria por sentir por mim algo que valesse a pena e isso não me interessa. E se soubesse o que tenho feito por ela, talvez viesse por gratidão. Ía sentir-me como se a tivesse comprado. Só me poderia interessar alguém que viesse comigo por amor. Mas esse alguém teria que ser ela. Estou num beco sem saída. Só quero ir com ela, mas com ela não quero ir. Não me digas que é absurdo, porque o sei melhor que ninguém."

"Não me conformo com isso Carlos. Um grande amigo, sim Carlos, acabo de te conhecer mas é assim que te considero desde já. Como te dizia, um grande amigo e uma grande amiga minha amam-se e ele recusa-se a ser feliz com ela? Por um erro absurdo do passado? Por uma armadilha do destino? Pela maldade de um ser desprezível que a enganou e dominou miseravelmente? E dizes que a amas? Dás essa glória ao maldito Gustavo? Quando te deitares esta noite, fala com o teu travesseiro e se ele te aconselhar mal deita-o para o lixo e compra outro!"

"Sófi meu amor... Não tens o direito de tentar interferir na vida do Carlos."

"Não Ed. Deixa-a falar. Eu só faço o que decidir, mas gostei de a ouvir. E gostei de te ouvir a ti a respeito da dona Mariana.

No dia seguinte telefonei a Mariana e ela acedeu a encontrar-se comigo na minha casa.

Quando lhe abri a porta, ela abraçou-me a chorar.

E eu também chorei.

"Perdoe-me dona Mariana. A senhora deu-me a sua amizade e eu fui um estúpido. Não queria ver nada, nem ninguém que me recordasse a Célia."

"Não te preocupes meu filho... Agora estamos os dois bem um com o outro?"

"Sim! Claro que sim!"

"Então foi só uma núvem escura no céu. Já passou."

"Venha ver-me quando quiser. Ou telefone-me. Eu farei o mesmo. Como está a Célia?"

"De saúde felizmente bem e com as maravilhosas próteses que lhe compraste, nem te digo nada!"

Despedimo-nos com um grande abraço.

A vida foi decorrendo como sempre e talvez uns quatro meses depois, o destino decidiu fazer-me surpresa. A mim e a mais alguém.

Fui à clínica onde trabalhava ED para pagar uma conta.

Decidi ir pessoalmente em vez de fazer uma transferência, para tentar falar com o técnico que reparara uma das próteses de Célia.

Segui por um corredor e entrei na sala que a rececionista me indicara.

Havia gente, mas ia tão distraído que não vi ninguém.

Ouvi dois homens falando e chamou-me a atenção a conversa.

"Caramba pá! Que cara é a peça."

"Claro! Mas é material de primeira. Os yankees trabalham bem! Já enviaste a conta ao Dr. Carlos Gouveia dos Santos?"

"Não. tenho que pedir o email dele ao Edmundo."

"Ouvi o meu nome. Pago agora com American Express."

"Muito prazer doutor. Sou o técnico Leandro Lopes e fiz eu a reparação. A prótese da sua esposa está como nova. Está aínda na garantia e só tem que pagar o transporte. O que ouviu sobre o preço é apenas informativo. Veja."

"Sim é cara. Mas por ela gastaria o que fizesse falta. E está tão feliz com as próteses!"

"Não me estranha. São as melhores do mercado."

Explicou-me a avaria e os detalhes da reparação e mostrou-me várias fotos que tirara.

A prótese vinha com uma peça defeituosa, que ao fim de muitos meses começara a fazer um clac clac clac bastante desagradável, embora continuasse perfeitamente funcional.

Ouvidas as explicações, despedimo-nos e saí.

"Obrigado pela explicação. É um mecanismo genial!"

"Efetivamente! Gosto em conhecê-lo doutor, disponha sempre."

Por alguma razão estúpida, dera-me gozo fingir que era o esposo de Célia.

Quando ía a saír pela porta...

"CARLOS!"

Fiquei sem pinga de sangue.

Continuei a andar pelo o corredor e parei quando já não estava à vista de ninguém da sala.

Chegou junto a mim.

Sem coxear!

"Carlos! Foste tu que pagaste as minhas próteses!"

"Calma Célia... Alguém tinha que o fazer..."

"Vinte e quatro mil e oitocentos dólares! Mais caro que alguns carros! Porquê Carlos?"

"Pois... porque não me fizeram desconto. Não te procupes."

Sorri-lhe.

"E no café fingiste que nada sabias! Porquê?"

"Sei lá! Gosto de ajudar, mas não quero agradecimentos. Ajudei-te anonimamente. Desinteressadamente! Não queria que o soubesses NUNCA!"

"E o Ed? E a minha mãe? Toda a gente a enganar-me. Até a Sófi!"

"Se quiseres zanga-te comigo. Mas não com eles. Fui eu que impus essa condição. E estão contrariadíssimos por isso. Sobretudo a Sófi, que se sente muito mal contigo."

Célia estava branca e com uma expressão atónita.

"Célia... Esquece. Não importa. Bem adeus, tenho que ir..."

"E fizeste-te passar por meu marido. '... por ela gastaria o que fizesse falta. Está tão feliz!' Que significou isso? Parecias autêntico!"

"Sei lá... Devo ter vocação de ator. Achei piada seguir a conversa do pobre homem. Desculpa. Foi só um prazer inofensivo e nunca imaginei que estivesses presente, ou não o teria feito. Não te vi."

"E o meu emprego? Também foste tu?"

"Célia... Estou com um pouco de pressa, tenho que ir andando."

"DIZ-ME! Foste tu?"

Bem... Sou amigo dos donos do colégio. Estão contentíssimos com o teu trabalho e já me disseram que quando terminares o curso, contratam-te como professora, embora aínda não te tenham dito nada. Não me olhes assim! Não cometi nenhum crime. Ou sim?"

"Não, mas vocês fazem tudo nas minhas costas!"

Estava amuada.

"Porque te zangas com uma pessoa que só quer o teu bem?"

Algumas lágrimas corriam pela minha cara.

Célia limpou-as com a mão.

"Não me zango. Como poderia...?"

Deu-me um beijo na cara.

Começou a chorar.

"Nunca poderei acabar o curso. Mas não faz mal. Estou bem a trabalhar na secretaria e vigiando os miúdos depois da cinco da tarde... ajudando-os com os deveres e explicando-lhes coisas. Nas salas de estudo. Tenho uma boa relação com toda a gente e não me pagam mal."

"E porque é que não podes acabar o curso? Quantos anos te faltam?"

"É caro e incompatível com o meu horário de trabalho. Falta-me o último ano. "

"Poderás! Acredita em mim. Já trataremos disso..."

"Mas... Porquê tantos favores?"

"Porque já sofreste mais do que devias. E porque felizmente posso ajudar-te. Faz falta mais alguma razão?

"Meu Deus! Devo-te tanto! Porque é que estás fazendo tudo isso por mim? Diz-me a verdade!"

Olhou-me tão profundamente, que senti um arrepio por todo o corpo.

"Porque... Hmmmmmmmmmmm..."

Suspirei profundamente.

"Porque... Caramba Célia! Fiz e já está! Não penses mais no assunto."

"A verdade Carlos! É muito importante para mim."

A verdade era precisamente o que não queria dizer-lhe e só me saíu uma resposta irrelevante.

"Foste minha colega no colégio... As nossas mães eram grandes amigas, a tua mãe sempre foi um amor comigo e vi-a tão angustiada..."

"Mais mentiras."

"Não são mentiras."

Não eram mentiras, mas eu omitira a razão de fundo.

"Carlos! Sejam quais forem os teus motivos, não tenho palavras... Um milhão de vezes obrigada!"

"Não faz falta agradeceres Célia. Não penses mais nisso."

"Podes dar-me uma boleia a algum sítio que te calhe em caminho, onde eu possa apanhar um autocarro?"

Não tive dúvidas de que desejava estar mais tempo comigo, mas isso era precisamente o que eu queria que evitar.

"Vais para casa?"

"Sim."

Mandei parar um taxi, disse-lhe que queria que levasse a senhora à morada tal e que queria pagar por adiantado.

Olhei-a momentaneamente e vi a deceção estampada na sua cara.

"Não sei quanto é. O que marcar o taxímetro."

Respondeu-me com maus modos.

"Ok. Chamo então um UBER. Ele vai agradecer o seu desinteresse."

"Trinta e cinco euros."

"Tome quarenta e conduza com cuidado. Adeus Célia."

Virei costas antes de que lhe ocorresse beijar-me.

Que aconteceria a partir de agora?

Definitivamente esta ocorrência implicava um antes e um depois.

Célia agora sabia que eu tinha gasto uma importante soma de dinheiro com ela, já podia caminhar de uma forma praticamente normal e tinha trabalho graças a mim. E isso não é fácil para uma pessoa que, embora eu não a visse como tal, era oficialmente uma inválida.

Eu proporcionara-lhe uma vida nova. Uma vida boa.

Não queria vê-la, mas seria difícil continuar a evitá-la, exceto se fosse desagradável com ela e isso para mim estava fora de questão.

Quanto mais pensava no assunto, mais desorientado estava.

À noite Ed telefonou-me.

"Hahaha! És um bandido!"

Ria-se com gosto.

"Vem tomar café aqui a casa. AGORA! Órdens da Sófi! E ela não admite um não por resposta!"

"Pronto, pronto! Saio dentro de cinco minutos."

Começava a guerra.

Não tardei mais de vinte minutos em chegar.

Sófi e ele riram-se à gargalhada quando entrei.

Depois dos abraços e beijos sentámo-nos os três tomar café.

"Hahaha! '... por ela gastaria o que fizesse falta. Está tão feliz!' Feliz deixaste-a tu quando disseste isso!"

"Pois... Não me pareceu."

Sófi não controlava o riso e continuou.

"Hahaha! Desculpa que to diga Carlos, mas não entendes nada de mulheres. Célia sabe agora que estás apaixonadíssimo por ela! Por isso e por uma quantidade de coisas que lhe disseste depois, sem te aperceberes de que só lhe confirmavas o que ela já sabia. És um desajeitado maravilhoso! E está deslumbrada com o teu cavalheirismo e respeito por ela. E por a teres ajudado desinteressadamente. Por nunca, em nenhum momento, te teres aproveitado do seu drama para tentar impor-lhe uma relação em que ela pudesse eventualmente não estar interessada. E porque sabe que não estavas a representar nenhuma comédia quando falaste com o técnico. A tua forma de falar e o tom da tua voz quando disseste uma coisa tão bonita, era tão genuina que lhe tocaste no fundo da alma. Por um par de segundos sentiu que era de facto a tua mulher! Dito por ela, chorando comovida. Não foi teatro! E porque é impossível que imaginasses que ela estava na sala. Choramos as duas quando ela me contou, palavra por palavra, a vossa conversa! Carlos tu e o Ed são os dois homens mais honestos e mais transparentes que conheço. E comovem-me porque roçam os limites da ingenuidade. Vocês não conhecem a maldade. "

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