Mike - Capítulos 01 e 02

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Mike usa a sua fortuna para ajudar quem o necessita.
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Mike - Capítulos I e II

I -- Assim a conheci

"Bom dia senhor capit..." Fulminei-o com os olhos. "Desculpe... Bom dia senhor Varela".

"Bom dia senhor Sousa. Hoje vou almoçar. Apetece-me um bitoque frito, meio passado, dose de batata frita reforçada, sem arroz e a salada sem tomate. Só alface e cebola, temperada com sal, vinagre de maçã e azeite. Para beber, uma água natural sem gás. Por favor."

"Ou seja, o de sempre." Sousa exibia um sorriso de orelha a orelha.

Na mesa ao lado vi uma rapariga entre os vinte e quatro e os trinta anos, sozinha, com uma expressão triste e os seus lindos olhos verdes, mostravam evidências de ter chorado. Era bonita sem ser espetacular, cabelo louro arruivado muito liso. A sua expressão cativou-me.

"Olá..."

Disse-lhe, mas logo me arrependi. Não a conhecia de lado nenhum e não sabia como ia reagir.

"Olá."

Respondeu num sussurro, com uma tentativa de sorriso mal conseguida.

"Sou o Luis. Muito gosto."

"Margarida."

"Margarida... Desculpe-me... Você está bem?"

"Estou... Estou... Ssssim... Bem, bem."

Não estava a ser sincera, mas que esperar de uma desconhecida?

"Já almoçou?"

"Não. Não vou almoçar."

"Fazia-lhe bem comer algo, você não está tão bem como me está a dizer. Porque é que não me faz companhia? Aqui fazem uns bitoques fabulosos. Posso convidá-la...?"

"NÃO!"

"Apresento-lhe as minhas mais sinceras desculpas. Realmente não nos conhecemos e a sua desconfiança está mais que justificada."

Levantei-me e fui para outra mesa bastante longe da sua.

Quando o Sousa me trouxe a comida estranhou que eu tivesse mudado de mesa.

"Aconteceu alguma coisa?"

"Sim. Deve ter pensado que eu a abordara com motivos pouco decentes e... mas deixemos isso."

Comi rapidamente e saí.

Dois dias depois estava eu a almoçar quando apareceu Margarida e veio ao pé de mim.

"Devo-lhe um pedido de desculpas. Permite-me que o acompanhe? Já pedi a minha comida na barra..."

"Faça o favor... E não tem que pedir desculpa. Tenho a estúpida mania de me preocupar com o meu semelhante, mesmo que não o conheça e às vezas corre-me mal."

"Luis... Não me faça sentir ainda pior do que eu me sinto. Fui uma estúpida! O seu amigo Sousa contou-me a pessoa que você é..."

"Como? Esse homem fala demais. Que lhe disse?"

"Na realidade nada, embora eu tenha insistido. Só me disse que o conhece desde miúdo, que você é o melhor ser humano que conhece e que o Luis jamais se aproximaria de mim com intenções inconfessáveis. Fiz-lhe montes de perguntas e não me respondeu a nenhuma. Como se você fosse agente da CIA, ou algo pelo estilo."

"Sim, ninguém deve saber nada de mim. Eu não existo. Quanto à sua reação até a entendo. Vocês mulheres passam o tempo a sofrer tentativas de... Que lhe vou contar, se você sabe melhor do que eu. Mas não é o meu caso. Só fiquei preocupado com a angústia que você tinha estampada no rosto."

"Você é um homem estranho e misterioso." Sorriu

Margarida continuava melancólica.

"Tem piada. A minha mulher disse-me exatamente isso, palavra por palavra, uns dias depois de nos conhecermos. A minha querida Sara...Também tivemos um mau momento inicial."

"Agora é o Luis que está com um ar abatido. Ela está doente?"

"Não. Faleceu num acidente de viação há dois anos e metade de mim morreu com ela."

"Como o lamento. Sinto muito o seu desgosto. Mas pelo menos você pode recordar alguém que o amava. Outros nem isso."

"Sim é verdade. A Margarida está casada?"

"Não e ao contrário de si não tenho nenhuma grata recordação de ninguém que..."

"Um desengano de amor?

"Tive só um namorado. Começamos a namorar quando tínhamos os dois catorze anos e aos vinte e três decidiu deixar-me. Senti que caía no mais completo vazio."

"Outra mulher?"

"Sim... Mas compreendo-o. Tenho um problema de saúde e ele resolveu ir-se."

"Mas isso foi há quanto tempo?"

"Dois anos, mas quando o conheci a si, era o nosso aniversário de início de namoro e é uma data em que fico sempre muito deprimida."

"Continua então enamorada dele."

"Não sei exatamente o que sinto, mas enamorada desde logo não. Ferida é a palavra. A forma como cortou comigo, a crueldade com que se referiu ao meu problema... Feriu-me muito. Deixou a minha autoestima de rastos. Senti-me como um trapo que não serve nem para limpar o chão. Jamais voltaria com ele."

"Que horror! E isso por um problema de saúde? Posso perguntar-lhe..."

"Não. Desculpe-me, mas lhe posso explicar. Não é exatamente um problema de saúde... Uma malformação. Mas é demasiado embaraçoso. Não. Decididamente não posso falar disso."

"Bem, não quero meter-me onde não me chamam. Olhe aqui vem a sua comida."

Durante o almoço estivemos os dois muito bem dispostos. Margarida é economista e trabalha numa empresa de Lisboa. É extremamente sagaz, inteligente e muito culta.

"E você Luis a que é que se dedica?"

"Militar na reserva. Mas não gosto de falar nisso."

"Capitão?"

"Sssss... Sim. Como sabe?"

"Vi como o empregado se lhe dirigia no outro dia, vi como você reagiu e como o pobre homem não sabia onde meter-se. Porquê? Algum mistério associado à sua vida militar? Como é possível que esteja na reserva sendo tão novo?"

Margarida era realmente sagaz.

"Coisas passadas..."

"Do exército?"

"Não. Que tal estavam os pastéis?"

Perguntei-lhe, evitando o assunto.

"Muito bons. E o bitoque?

"Aqui é sempre bom. De sobremesa recomendo-lhe uma mousse de chocolate. É caseira e a melhor que conheço."

"Sabe Luis você é a primeira pessoa que consegue pôr-me bem disposta quando estou assim."

"Alegro-me. Mas você anda permanentemente deprimida?"

"Não, mas quando acontece dura-me vários dias."

"Então temos que ver-nos mais vezes. Você vive aqui na zona?"

"Sim. Mudei-me há três meses, mas nunca tinha vindo aqui a este café. Ao Caravela."

"Estará ocupada esta tarde?"

"Não. Tenho um dia livre, porque tive que trabalhar durante o passado fim de semana. E você?"

"Até dentro de dois dias não."

"Caramba! Que sorte. E dentro de dois dias?"

"Terei que viajar e estarei uma semana fora, mas não me pergunte mais. Ahhh... Esteja tranquila que não sou narcotraficante, nem estou envolvido em nenhuma atividade ilegal. Tudo o contrário."

"Você é um homem muito direto, misterioso e um pouco desconcertante."

Olhou-me com uma expressão que eu não soube interpretar.

"Isso é mau?" Perguntei.

"Bem... Foi um prazer. Talvez algum dia nos vejamos por aqui. Obrigada por me ter levantado o ânimo."

Margarida levantou-se dirigiu-se ao balcão.

"A minha conta por favor."

"Está tudo pago."

"Como assim? O senhor Varela esteve sempre comigo e não o vi pagar."

"Ele e eu temos o nosso código de comunicação. Gostou da nossa comida.?"

"Estava ótima. Bem... Obrigada e até outro dia.

II -- Acaba-se o mistério

Dois dias depois do encontro com o seu misterioso desconhecido, Margarida sentiu um terrível desconforto e veio-lhe à cabeça a imagem de Luis.

Recordou-o com a expresão de sofrimento que ele tinha quando lhe falara de Sara.

Sentiu uma terrível angústia e não conseguiu deixar de pensar nele.

Quando estava a jantar com a televisão acesa não prestou atenção aos anúncios, mas de repente algo lhe disparou todos os alarmes.

"Interrompemos a emissão para entrar em contacto direto com Tobias Brown, o nosso correpondente em Bangui, na Repúbica Centro Africana."

A imagem mudou e apareceu o correspondente com o palácio do governo, como imagem de fundo.

"Boa noite Tobby, que sabemos do intrépido aviador e filantropo Comandante Luis Varela? Já apareceram os restos do seu jet privado?"

Mostraram uma foto antiga de Luis sentado dentro do seu avião acrobático, com um enorme sorriso.

A Margarida o sangue gelou-se-lhe nas veias e teve forte arritmia cardíaca. Pensou que ia desmaiar, mas resistiu.

"Ainda não. Já iniciaram os trabalhos de busca, mas deve ter-se despenhado, porque a esta hora já se lhe terá acabado o combustível e não aterrou em nenhum aeroporto conhecido. Quando se encontrarem os destroços entrarei em contacto."

"Muito obrigado Tobby. Estaremos em contacto. Boa noite."

"Para os telespectadores que não sabem nada deste maravilhoso ser humano, informamos que levava um carregamento de medicamentos e fatos de proteção contra o contágio do vírus Ébola, para o pessoal sanitário da organização Médicos Sem Fronteiras. O aeroporto de destino era Goma, no sul da Repúbica Democrática do Congo junto à fronteira com o Rwanda. Todo o material que levava foi comprado por ele mesmo, com o seu dinheiro, como fazia habitualmente em ocasiões similares."

Margarida já não ouviu mais nada.

Levantou-se e correu para o seu quarto. lançou-se sobre a coberta da cama, enterrou a cabeça na almofada e chorou convulsivamente, cheia de remorsos pelo que lhe dissera no café.

Admirou-o pelo que fazia e pela forma como evitava dizer a que se dedicava. Não queria publicidade.

"Mais um herói anónimo que morreu por uma causa nobre. Ao menos tive a honra de o conhecer." Sussurrou

"Realmente Deus não existe! E ainda bem, porque se existisse tinha que ser um monstro!" Gritou.

"Não quero que morras Luis! Quero conhecer-te melhor!" Estava desconsolada.

A televisão continuava ligada e mais ou menos uma hora depois houve um novo contacto com o correspondente em Bangui.

"Olá de novo Tobby. Temos novidades do Comandante Varela?"

"Sim. Teve que fazer uma aterragem de emergência no norte do país, o seu avião ficou bastante destruido, devido ao acidentado do terreno, mas ele conseguiu evitar o pior. -- Apareceu uma foto dos destroços no ecran. Na parte esquerda do nariz do avião, que curiosamente estava intacta, lia-se uma palavra: "SARA". Ele está bem. Só tem um braço fraturado e vai ser amanhã evacuado, possivelmente para Lisboa num avião ambulância. Felizmente foi possível recuperar a carga que transportava, completamente intacta. Medicamentos e fatos de proteção para Médicos Sem Fronteiras, que estão atualmente no Congo a combater a epidemia de ébola. Um avião militar do Congo já está a voar para Goma com essa carga. O que ninguém entende é como Varela conseguiu aterrar de emergência num terreno horrível, já quase de noite. É um herói, um piloto fabuloso e um ser humano maravilhoso!"

"Alguma pista sobre as causas do acidente?"

"Um jato comercial captou o sinal de um dispositivo que se chama ELT , que é um rádio de emergência automático e isso permitiu encontrar rapidamente o avião sinistrado. Como habitualmente, ele não se deixou entrevistar, nem fotografar. Só disse, com uma calma impressionante: 'Vim aqui para ajudar. Não para saír nos media.' Amanhã vai começar a investigação do acidente."

O locutor despediu-se do correspondente e continuou falando para os espectadores.

"É realmente um homem extraordinário e tal como deseja, é um desconhecido para o público em geral. Foi um grande piloto de caça F-16 da Força Aérea Portuguesa, formou um team acrobático civil com mais três companheiros, quando ainda estava no ativo, atividade que continua a praticar e de repente, não se sabe porquê, deixou a Força Aérea. Utiliza a sua fortuna pessoal para ajudar a organização Médicos Sem Fronteiras e a fundação Vicente Ferrer, que opera na India. Voa sempre sozinho no seu jet privado, um Cessna Citation CJ4, que pode ser pilotado por um só piloto, levando ajuda onde lhe solicitam e fazendo grandes doações. Estranhamente este jovem aviador de vinte e nove anos, não quer publicidade e não dá entrevistas. É famoso por uma declaração que se conhece dele, a uma jornalista da Sky News. 'Eu não existo. Esqueçam-se de mim'."

Margarida estava estupefacta! A mesma frase que ele lhe tinha dito. Tinha que o ver. Ele deveria chegar a Lisboa no dia seguinte num avião ambulância e ela não sabia como encontrá-lo.

Telefonou para todas as cadeias de televisão e não conseguiu nenhuma informação. Estava desesperada.

No dia seguinte foi ao café falar com o Sr. Sousa, que o conhecia bem.

"Não minha senhora. Não sei nada, mas não se preocupe. Ele é como os gatos e ainda não esgotou as suas sete vidas." Riu-se. "Só fraturou um braço, ou isso dizem as notícias. Algum destes dias aparece por aqui."

Nos seguintes dois dias, as estações televisão informavam que não sabiam nada dele, que provavelmente viajara incógnito, que era bem o seu estilo, mas que à parte da fratura do braço estava bem.

Passaram três meses e Margarida continuava a ir todos os dias ao café Caravela onde o conhecera. O senhor Sousa dizia que não sabia nada dele.

Um belo dia, estava sentada a tomar café e na mesa ao lado sentou-se um cavalheiro barbudo de meia idade, com óculos escuros, que cocheava apoiado numa bengala.

"Olá Margarida."

"Mas... Luis... Como está? Já recuperado do acidente? Não o conheci."

"A ideia é mesmo essa. Tenho conseguido ludibriar os jornalistas."

"Mas agora cocheia. Disseram nas notícias que só tinha fraturado um braço."

"Nada. O braço já está bom e não cocheio. Faz parte do disfarce. Queria vê-la. Desculpe... Podemos tratar-nos por tu?"

"Claro! Também prefiro que nos tratemos por tu."

"Posso convidar-te para jantar? Tenho pensado muito em ti. Quando estava a trinta metros de entrar pelo solo e sabendo que ia destroçar o avião, foste a primeira imagem que me veio à cabeça e não sei porquê, desejei continuar vivo."

"Aceito com prazer. Sinto-me muito lisonjeada. Um herói que pensou em mim numa situação limite!"

"Não sou nenhum herói. Uso o meu dinheiro e a minha paixão pelo voo, para ser útil aos mais desfavorecidos. Isso é tudo."

"Já podes voar?"

"Posso. Já tenho o meu certificado médico aprovado e já me entregaram outro avião. O seguro cobriu todas as depesas"

Jantamos na zona de Colares e o tempo passou tão rápido, que de repente demo-nos conta que tínhamos que saír, porque o restaurante ia fechar.

"Que rápido passa o tempo quando estou contigo!"

"Sim. Para mim também. Quero fazer-te um convite."

"Um convite? Que tens em mente?"

"Na sexta-feira depois de saíres do emprego, Vamos no meu jatinho a Edimburgo e voltamos no domingo à tarde. Mas podemos ir a qualquer outro sítio que prefiras. Paris, Londres, Praga, Budapeste... Tu escolhes."

"Não sei... Tenho que pensar... Agradeço, mas acho que que não vou aceitar. Pelo menos de momento."

Margarida estava encantada com a ideia. Mas como mulher que era, jogava à defesa.

"Faltam três dias. Dorme sobre o assunto e escuta o que te diz o teu travesseiro. Comigo funciona. Vemo-nos amanhã no Caravela?"

"Pode ser. E se quiseres almoçamos juntos. Não trabalho de tarde."

"Boa ideia. O Sousa está encantado contigo, disse-me que tens vindo diariamente para saber de mim e está muito contente de nos ver juntos."

No dia seguinte chegamos praticamente ao mesmo tempo ao café.

"Olá Margarida."

"Guida. Para todos os meus amigos."

"Perfeito Guida. A mim podes tratar-me por Mike."

"Mike? Porquê Mike?"

"Dá-me um momento. Já te respondo. Tenho que fazer uma chamada urgente."

Levantou-se e saiu do café falando pelo telemóvel.

Quando voltou, Guida ainda ouviu o resto da conversa.

"... Bem Francisco. Quero que façam isso hoje. Tem que estar pronto na sexta-feira. Obrigado."

"Desculpa. Onde íamos? Ah sim. Porquê Mike? Manias do meu pai. Detestava o nome "Luis", posto por exigência da minha mãe, porque era como se chamava o meu avô materno. Ele sempre me chamou Mike, porque era um piloto de uma banda desenhada da época da sua juventude. Isso deixava a minha mãe furiosa, que em parte era o que ele pretendia. Até na Força Aérea o meu nome de guerra era Mike."

"Gosto! A partir de agora para mim és Mike. Posso?"

"Deves! Então que tal o teu meio dia de trabalho?"

"Trabalhoso, passe a redundância. Tenho a cabeça cheia de números."

"Eu não podia passar o dia encerrado numa sala, às voltas com tanto número. Que tal se vamos a Tires e damos uma volta de Sukhoi?"

"Sinto muito mas não ando de moto."

"Hehehe! Já somos dois. É muito arriscado."

"Francamente! E és precisamente tu quem fala de riscos? Mas então o que é esse tal chucói"

"S-u-k-h-o-i e lê-se sucói. É um avião pequeno, que uso para me relaxar quando estou tenso. Fazemos um voo panorâmico e um pouco de acrobacia, se te atreveres. Nada melhor para descontraír. Voar é relaxante."

"Caramba Mike! Soa a moto japonesa."

"Não." Ri-me. "É um avião monomotor acrobático russo. Sukhoi 26."

"Não imaginava."

"Não me respondeste."

"Nunca voei e tenho bastante receio, para não dizer medo."

"Provamos? Só faço o que quiseres e voltamos a terra firme quando quiseres."

"E se te vomito o avião?"

"Hehehe! Não serias a primeira. Tenho bolsas de enjoo. Em vez de deitar carga ao mar deitas para dentro da bolsa. Mas farei tudo para não vomitares."

"Está bem, vamos lá... Devo estar louca, mas contigo vou a qualquer parte. Seja o que Deus quiser."

Guida estava como anestesiada e deixou-se levar. Quando se deu conta, já estava dentro do avião e segundo ela, o motor arrancou com um rugido assustador. Mais tarde contou-me que recordava vagamente que eu lhe apertara os cintos.

Ao fim de vinte minutos disse-lhe que olhasse para cima. Estávamos de cabeça para baixo e viu o Palácio da Pena muito perto, com muita gente a apontar para nós e alguns a acenar com lenços e bonés. Não teve medo e estava deliciada. Eu fizera uma trajetória curva, de curta duração que evitou os Gs negativos, apesar de estar em voo invertido.

"Como te sentes?"

"No céu! Nunca melhor dito. Hahaha!"

"Sem medo?"

"Sem medo! Faz um bocadinho mais de acrobacia. És tão suave a fazer as coisas... É mesmo relaxante."

Quando aterrei, disse-me pela interfonia: "Que pena! Já acabou?"

"Estivemos uma hora e quarenta no ar. Agora tens que descansar. Quando quiseres levo-te outra vez."

Quando saí do avião, ajudei-a a saír e de repente beijou-me. Um beijo de fugida nos lábios, que me soube a glória.

"Ai meu Deus! Perdoa-me Mike... Perdoa-me!"

Atraí-a a mim, abracei-a e dei-lhe um beijo prolongado nos lábios. Um beijo correspondido.

"Estás perdoada!" Sorri-lhe.

Regressamos em silêncio. Quando parei à sua porta, finalmente falou.

"Mike... Adorei! Obrigada pela mais maravilhosa experiência da minha vida."

"Guida se gostaste metade do que eu gostei de estar no céu contigo, deves ter sido verdadeiramente feliz."

"Mike... Meu Deus, acho que não tenho coragem de falar."

"Claro que tens! Fazer acrobacia na primeira vez que voaste e desfrutá-la dessa maneira, é mais difícil que dizer qualquer coisa. Sou todo ouvidos."

"Acho que tens razão."

Calou-se.

Olhei-a prolongadamente e esperei que ela continuasse.

Guida tem que ser levada com calma, sem que se sinta pressionada.

"Ainda está de pé o teu convite?"

"Claro que sim!"

"Como nunca mais me disseste nada..."

"Não quero que te sintas nunca pressionada por mim."

"Aceito, mas com uma condição."

"Aceito a tua condição."

"Sem saberes qual é?"

"Sem saber qual é. Poder desfrutar da tua companhia compensa-me de qualquer coisa que me exijas."

"No hotel, quartos separados e não vai haver nenhum tipo de intimidade, se é que me entendes."

"Completamente."

"És realmente um homem pouco convencional."

"Nada convencional. Reconheço-o."

"Dececionado?"

"Não. As coisa acontecem sempre como o destino decide e há que aceitá-las como são. Tenho a calma dos velhos. Isso já me salvou a vida três vezes."

"Não sei se entendi bem a primeira parte."

"Guida... Quase não nos conhecemos, mas é inegável que sentimos uma grande atração um pelo outro. Não me olhes assim e não negues as evidências. Eu não ando por aí a levar mulheres de avião para obter cama fácil. Se o destino decidiu cruzar os nossos caminhos para juntar as nossas vidas, não há que pôr o carro adiante dos bois. Tudo fluirá como tenha que fluir..."